“Saí de lá sem acreditar que aquilo pudesse se recuperar”, embora relute em dizer isso, é a única conclusão que Caio Guatelli – repórter fotográfico da Folha – tem a respeito da capital Porto Príncipe após o terremoto que pôs o Haiti abaixo.
As poucas informações que o mundo possuía eram muito desencontradas, apenas imagens de celular.
Chegar ao país já não foi tarefa ordinária. Só havia voos para a República Dominicana, país vizinho. De lá, cada equipe jornalística tinha de tomar seu próprio caminho. “Recebemos a informação de que um helicóptero nos esperava, mas ao voltar ao aeroporto uma equipe de TV americana já tinha pago um preço maior pelo transporte”, revela Caio. Por fim, conseguiram lugares num avião sem licença para voar, o que não fazia diferença, já que o aeroporto de Porto Príncipe não tinha mais controle algum. “Chegamos e em menos de cinco minutos o avião já tinha ido embora”.
“A gente tinha reserva num hotel, mas descobrimos que metade dele tinha desabado”. Por sorte, encontraram o Ministro da Defesa. Entraram escondidos no ônibus da ONU que levaria Nelson Jobim à base do Exército Brasileiro. “A base era um oásis no Haiti, uma vantagem que tivemos sobre as equipes de reportagem dos outros países”, explica o fotógrafo.
Lá, Caio diz ter vivido dilemas como jornalista. “Eu me vi ali no meio de tudo, bem vestido, alimentado e segurando um equipamento caríssimo. Eu tinha tudo, e as chances que os haitianos tinham de um dia obter tudo isso era mínima. Senti que poderia causar uma sensação ruim neles, como a de exploração da desgraça.”
Caio viu um homem ser morto em sua frente. Mas o mais chocante foi ver os assassinos tirando apenas algumas notas de seu bolso. Em seu terceiro dia lá, viu um grupo de 20 haitianos resgatando familiares. Sentiu-se ameaçado quando eles começaram a gritar com ele. “Me diziam: ‘por que você está fotografando nossa tristeza? Por que está fotografando nossos parentes mortos? O que você vai ganhar com isso?’”, relata Caio Guatelli. “Respondi que precisava mostrar para o mundo a situação. Eles entenderam, mas pediram pra que eu não continuasse ali”.

“A ajuda que a gente pode dar é mostrar para o mundo o que acontece, mas em alguns momentos agi de forma diferente. Vi uma menininha com a perna esmagada, pedindo minha ajuda. Nessa hora resolvi abandonar minha câmera e deixei de trabalhar por umas quatro horas pra tentar ajudar”, conta o repórter.
Mas as esperanças de quem esteve lá, ou ao menos de quem viu fotos que revelam o estado do Haiti, são praticamente nulas. De fato, uma destruição tão imensa e “democrática”, que afetou até o palácio do governo, não dá chances de reconstrução. “Das coisas que vi acho que a única solução seria uma união internacional para espalhar os habitantes do Haiti pelo mundo. Aquilo não tem solução, já era um país perdido”, afirma Caio Guatelli, a respeito de uma nação que em breve voltará a ser esquecida.
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