quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ali no Capão Redondo morria mais gente do que no Vietnã

Como dizia Mano Brown, dos Racionais MC’s, o Capão Redondo já foi uma das regiões do mundo onde havia mais assassinatos. E como o próprio rap apontava, as raízes de tanta violência vinham da crise na educação. Só que não foi o governo quem providenciou as mudanças, mas sim a ONG comandada por “Seu Carneiro”. E a Ong ganhou até reconhecimento mundial.
“Desesperada, há cinco anos a diretora de um colégio veio pedir minha ajuda, dizendo que não sabia o que fazer com alunos armados e drogados”, conta Antônio Carneiro dos Santos, 73, diretor do Projeto Reviver Capão.
A Escola Estadual Professor Francisco Antônio Martins Júnior, localizada no Jd. São Bento Novo (Capão Redondo) estava com sua estrutura física em péssimo estado. “Grades em todas as janelas, chicletes grudados por todo o chão, sujeira. A escola estava um abandono”, afirma Bruna Gavioli, filha de “Seu” Carneiro, e atual responsável pelos eventos culturais do CEU Casablanca.
Contando com o apoio do Projeto Reviver nas Escolas, a então diretora do Martins Júnior conseguiu transformar os alunos e a instituição. “Passamos a dar pequenas palestras diárias de dez minutos no colégio. Os alunos precisavam aprender a cuidar de seu próprio patrimônio”, relata “Seu” Carneiro. Ele contou com a ajuda de diversos grafiteiros para restaurar a escola, não só com a pintura, mas com toda a reforma e limpeza. “Depois de algumas semanas de trabalho duro, a escola era outra”, orgulha-se.
A sede do Projeto Reviver oferece mais de 20 cursos profissionalizantes e artísticos, e a inclusão dos alunos do Martins Júnior nessas formações foi imprescindível para a mudança do colégio. Há professores altamente qualificados, como Diane Umbelino, de ballet. Os cursos ministrados por Diane em sua escola profissional localizada em Taboão da Serra custa 230 reais por mês. No Projeto Reviver os jovens da periferia pagam apenas 30.
Além de cursos, que antes dificilmente seriam frequentados por um jovem da periferia, o Reviver trouxe uma biblioteca com mais de 20 mil títulos ao Capão Redondo. “Seu” Carneiro ainda ajudou a criar outras 12 bibliotecas pela Zona Sul e Grande São Paulo.
A própria criação da biblioteca no Capão Redondo traz histórias interessantes, como a de um senhor de vida complicada, sem trabalho nem residência. “Seu” Carneiro exigiu que ele se arrumasse bem e o trouxe para o Reviver, onde teve sua aparência “tratada” por meninas do curso de cabeleireiros. “Quando meu pai viu que esse senhor tinha um interesse enorme por livros, colocou-o para organizar os volumes que o Reviver tinha. Hoje quem entra na biblioteca encontra tudo organizadinho. Esse senhor se tornou um apaixonado por aquele lugar”, diz Bruna.
As ações do Projeto Reviver Capão chegaram a ter reflexos nacionais e internacionais. Um dos diversos talentos impulsionados pelo projeto foi a modelo e atriz Natália Verena – ou só Natália mesmo, como “Seu” Carneiro prefere chamar. Natália hoje trabalha na agência de modelos Sagarana. “Eu ligava a TV e via a Natália todo dia na novela”, conta Carneiro sobre o tempo em que ela fazia parte do clipe de abertura da novela “Duas Caras”, da Rede Globo. E tratando-se de proporções internacionais, “Seu” Carneiro e o Projeto Reviver se transformaram em matéria do jornal The New York Times em 2007.
Essa inclusão à arte foi um fator determinante na mudança das estatísticas e cultura do bairro. Trabalhando num CEU, Bruna pode dizer a diferença que experiências com arte fazem na vida de um jovem. “Muitos não sabiam se portar dentro de um teatro, entender uma peça e o quanto aquilo era importante para vida deles”, conta. “É difícil colocar cultura goela abaixo, isso é um treinamento, algo que chamamos de ‘Formação de Público’”.
Uma estatística importante é a taxa de homicídios do bairro. Os oito assassinatos por final de semana se reduziram a três após um ano de existência do Projeto Reviver e seus parceiros, segundo dados da Polícia.
Tanto o pai como a filha acreditam que o problema da violência é resultado da falta de estrutura educacional do país. “As pessoas só precisam de oportunidades”, conclui Bruna Gavioli.

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