domingo, 26 de setembro de 2010

Tudo que você precisa saber até o próximo dia 3

Muito cuidado na hora de apertar “Confirma” este ano, você pode ter surpresas

“Se você pensa que votar nulo vai provocar a convocação de novas eleições está muito enganado”. O alerta é de Gianfranco Faggin, analista processual do Ministério Público Federal. Ele explica que “isso é lenda urbana. É uma mentira absurda. A única hipótese de cancelamento de uma eleição é quando ocorre comprovação de uma fraude que afete mais de 50% dos eleitores”. Ele explica: “Se você votar em Branco ou nulo dá na mesma. Esse voto não vai para o candidato que recebeu mais votos.”

Diante dessa necessidade de achar alguém em quem votar é que o eleitor deve tomar mais cuidado ainda. Existem muitos políticos com ficha suja que por enquanto não tiveram suas candidaturas impugnadas. Da mesma forma que existem inclusive candidatos sendo procurados pela Interpol. Todavia, a lei impede que eles sejam bloqueados. “Pela Constituição todos são inocentes até serem julgados em última instância. Caso sejam eleitos e depois forem considerados culpados, aí sim serão automaticamente cassados”, explica Gianfranco.

Outro assunto polêmico neste ano foi a tentativa de alguns candidatos impedir que humoristas fizessem piadas ridicularizando-os. O fato só se tornou ridículo de verdade quando muitos dos postulantes a cargos eletivos começaram a fazer palhaçada durante o horário político. “Além disso a lei brasileira não contempla a censura, que remonta períodos que não gostaríamos que fossem lembrados”, afirma o analista. “O Supremo reconheceu o direito de manifestação dos humoristas. Mas por ser uma liminar, teve apenas efeito suspensivo.”

Por outro lado, se você está ficando cada vez mais tentado a fugir das urnas, saiba primeiro o que pode acontecer a quem não vota e nem justifica. “Essas pessoas recebem uma multa, que muitas vezes é pequena demais. O mesmo vale para os candidatos que praticam irregularidades, como propaganda antecipada. Logo, o custo-benefício acaba valendo a pena, já que esses candidatos de grande porte foram multados em apenas 5 mil reais por infração”, conta o analista. “Enfim, esse tipo de punição mais fraca é um incentivo tanto para o povo, como para os candidatos. Isso acontece porque quem faz essas leis são os próprios políticos, eleitos exatamente pelo povo”, conclui.

E por fim, há uma informação importante a respeito dos candidatos que têm feito da palhaçada uma forma de conquistar votos. “Existe a figura dos puxa-votos, como foi o caso do Clodovil e muitos outros. O Enéas, por exemplo, teve cerca de 1,5 milhão de votos, e com isso conseguiu quatro cadeiras no congresso. Na ocasião, os outros três mais votados pelo PRONA também foram eleitos, sendo que um deles tinha apenas 200 votos.” Gianfranco dá um alerta sobre o artifício usado por muitos candidatos corruptos que querem voltar ao poder. “Eles podem conseguir isso mesmo sem receber o seu voto. Não se enganem, tem muita gente por trás desses candidatos cômicos à espera de uma chance de serem eleitos”, avisa o especialista em processo eleitoral.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Como fazer até pedras falarem

Se você ainda acha que aprender inglês é algo chato, conheça o grupo teatral Speaking Stones

“É a melhor sensação do planeta”, diz Camila Honorato, 15, sobre fazer teatro em sua escola de idiomas. E assim como todos os amigos que fez por lá, ela não tem dúvidas de que acrescentar teatro ao seu curso de inglês foi a melhor forma de aprender a língua.
Só há aulas de teatro uma vez por semana, mas os alunos não conseguem se afastar da escola. É um ponto de encontro para ensaiar e estudar. “Até mesmo às vezes, quando não tenho nada pra fazer, venho pra cá só pra ver se encontro o pessoal”, admite Luiz Francisco, um dos mais velhos do grupo, com 17 anos.
Essa relação entre aluno e escola também agrada aos professores. “Poxa, isso torna tudo muito mais humano. Uma escola não pode querer alunos apenas dentro da sala de aula”, diz teacher Soraia sobre a vontade de frequentar a escola que surgiu entre os alunos. “Essa também é nossa função”, completa ela.
“Pensei que se entrasse nesse grupo de teatro, poderia me expressar melhor. Inclusive em português”, conta a envergonhada Crislaine, de 15 anos. Já Bruno, procurou o teatro por outro motivo. “Pra mim a questão não era bem timidez, não sou tímido. Entrei pelo inglês mesmo”, explica o rapaz.
Como as peças que apresentam são todas em inglês, os alunos são forçados a estudar os importantes e mínimos detalhes do idioma, como a pronúncia. “De tanto ir repetindo e exercitando você vai gravando tudo na cabeça”, explica Luiz Francisco. Seu colega de palco e amigo, Carlos Eduardo, complementa: “além do mais, aprendemos expressões e gírias que não vemos em sala de aula”.
O desafio de montar uma apresentação com figurino, cenário, trilha sonora e tudo o mais que um grande espetáculo engloba é uma grande provação para os jovens. “A gente pega muito mais confiança em tudo e compreende a necessidade de ajudar os companheiros”, diz Brenda sobre o esforço que só pôde ser visto por aqueles que ficaram escondidos, trabalhando atrás das cortinas também.
“Quando a peça termina, vem todo aquele alívio de dever cumprido. Aí você vai, agradece à plateia e se sente diante de algo inexplicável”, conta Camila Paes, lembrando ainda de sua última apresentação, há quase dois meses. Sua xará Camila Honorato resume seu conceito de teatro, que já ficou muito além de apenas aprender o inglês. “Compreender a convivência, organização e a noção de responsabilidade é o mais importante”, detalha a atriz bilíngue.

Crescendo sem pais

As crianças criadas em abrigos

Eliane é mãe de quatro filhos. Seu marido é viciado em drogas e a agride com frequência. Suas condições financeiras não lhe possibilitam cuidar dos quatro filhos, tampouco do quinto que está para vir em breve.
“Todos familiares de Eliane insistem para que largue o marido, mas ela fez questão de dizer que o ama na frente do Juiz”, conta a assistente social Fátima Lopes de Oliveira.
Esse é um caso comum na Vara da Infância do Fórum de Santo Amaro, e o Juiz em questão avaliava as possibilidades de se manter a guarda das crianças com a mãe. Seus filhos foram enviados para um abrigo, onde primeiramente passarão pelo processo de reintrodução à família. “E caso seus pais ou familiares sejam considerados incapazes de possuir a guarda, essas crianças são encaminhadas para adoção”, relata Fátima.
O Lar São Thiago é um abrigo localizado na Zona Sul de São Paulo, próximo a Itapecerica da Serra. Essa casa abriga 39 crianças, a maioria delas já com mais de oito anos de idade. A instituição sempre passou por inúmeras dificuldades, como falta de alimento e estrutura. O lar depende muito de doações, mas não é apenas comida o problema do lugar. “A gente também sente muito a falta de produtos de limpeza, pois recebemos geralmente apenas alimentos”, explica Vera Lúcia Moraes, monitora do Lar São Thiago.
Um muro foi construído recentemente para que as crianças não tivessem contato com um córrego poluído que passa por trás do playground do lar. A sala de estar possui goteiras no teto e há outro muro, mas este com risco de desabar sobre o lugar onde antigamente funcionava uma horta.
Frente a todos esses problemas, está uma equipe de voluntários que trabalham diariamente na instituição. “O pessoal da limpeza e da cozinha já trabalha com a gente há muito tempo, são funcionárias fiéis. Estão aqui todos os finais de semana”, conta Vera.
E assim o abrigo vai tomando conta das crianças até que seus pais tenham os problemas judiciais resolvidos. Quando isso não acontece, o menor pode ser enviado para adoção.
Porém, muitos deles já estão em idade avançada ou têm irmãos, o que dificulta o processo. “Há irmãos que são adotados juntos, mas geralmente é um caso de adoção internacional. Assim como crianças deficientes”, revela a assistente social. Segundo ela, não há muitas adoções desse tipo por parte de brasileiros. “Os irmãos podem até serem separados na adoção, desde que as famílias assumam o compromisso de manter contato entre eles.”, declara.
De qualquer forma, esse tipo de adoção se torna raro. “Algumas dessas crianças desenvolvem um sentimento de culpa, pois assumem alguma responsabilidade pela distância com os pais. Mas em outros casos, essas crianças sequer sentem a falta de uma mãe. Só sentiriam falta dos próprios irmãos”, diz Fátima.
E por fim, alguns desses jovens chegam à maioridade. “Nesses casos a gente tenta reintegrá-lo com a família, mas nem sempre é possível”, afirma Vera. Se não houver algum responsável com quem deixar o jovem, a única coisa a ser feita pela Vara da Infância é um trabalho de autonomia que o prepare para ser independente, definindo assim o fim de uma etapa na vida de um jovem sem pais.

O que os cegos veem

A Projeto Acessibilidade exibe fotos tiradas por cegos


Foto: João Maia

“Com licença, posso tirar uma foto de vocês?”, é assim que Marco Oton, deficiente visual, aborda as pessoas na rua. Qualquer um olha com estranheza o sorriso desse rapaz que carrega nas mãos uma câmera e uma bengala de cegos.
Mirando a câmera para um grupo de pessoas ele ajusta o enquadramento. “Quem está na esquerda? E na direita? Por favor, quem estiver no meio fala alguma coisa”. E ouve-se o som do capturador da máquina. Logo os fotografados caminham até ele e conferem o surpreendente resultado no visor digital.
Marco e outros deficientes visuais fazem parte do projeto Alfabetização Visual, desenvolvido no Senac Santo Amaro desde abril de 2008.
“A ideia surgiu dos alunos de informática para deficientes visuais aqui do Senac”, revela Fernanda Romero, professora de fotografia. “Eles levaram a proposta ao professor João Kulcsár, coordenador do projeto Imagem e Cidadania. Ele abraçou a ideia e logo os alunos estavam em aula”.


Fernanda Romero

Em 2010, o projeto exibiu sua segunda exposição, chamada “Acessibilidade”. Ela expõe fotos tiradas durante o ano de 2009. Os fotógrafos focaram os problemas enfrentados por deficientes visuais nas ruas de São Paulo.
“Fizemos algumas excursões. Em frente à Fundação Dorina Nowil está o único semáforo sonoro da cidade que, a propósito, está quebrado”, conta Fernanda.
As fotografias são tiradas de uma perspectiva diferente, destacando o que ninguém vê, como detalhes de relevos nas ruas. As câmeras são colocadas no mesmo nível do chão, para ressaltar as saliências que tanto diferenciam a caminhada de um cego.
“As fotos deles são mais elaboradas do que a de um fotógrafo comum. Eles não só sabem os retratos que querem: há um processo de concepção da imagem muito mais forte. Quando se imagina e elabora tudo, uma captura mais certeira é possível”, explica a professora.
Algo que impressiona é a qualidade técnica das fotografias. Nota-se que os planos, como distância e proximidade, são enfatizadas. “Há um recurso de profundidade de câmeras, que a gente consegue de diversas maneiras, como colocar a máquina próxima ao objeto que se quer fotografar. Eles já estão incorporando inclusive técnicas fotográficas abordadas nas aulas”, adiciona Fernanda Romero.
As fotos são tão peculiares quanto à própria concepção do projeto. “ Mesmo havendo um preparo de onde posicionar a câmera, escolha dos enquadramentos, o resultado visual sempre será imprevisível e único”, afirma Fernanda.

A loucura escondida em nós

Mesmo que imperceptíveis, todo louco tem mesmo suas manias

“Hitler pode ter sido uma pessoa com problemas relacionados ao ânus”. A afirmação é de Bruno de Luca, 20, estudante de psicologia, em relação ao excesso do desejo de ordem do ditador. “As crianças entre dois e quatro anos começam a segurar a vontade de ir ao banheiro devido ao surgimento da consciência do domínio do esfíncter, o que lhes dá pela primeira vez a sensação de controle. Uma frustração vivida por uma criança nessa fase, como defecar-se em público, pode influenciar uma personalidade pelo resto da vida”, explica Bruno.
Pouco se sabe a respeito das manias, ou melhor, TOCs (Transtorno Obsessivo Compulsivo) de Hitler, mas com certeza todas eles estão relacionadas às suas experiências e/ou frustrações. Segundo o autor e psicólogo Daniel Marcelli, em seu livro Infância e Psicopatologia, “as condutas obsessivas assumem a forma de pequenos rituais dispostos em setores suscetíveis de mobilizar a angústia”.
Bruno Bezerra, estudante de jornalismo, diz ter hábitos muito estranhos. São basicamente rituais que realiza na hora de se arrumar. Ele religiosamente veste primeiro a calça e depois a camiseta. Na hora de tirar a roupa, tem que manter a mesma ordem: calça e depois camiseta. E com os sapatos também. Se calçar primeiro o pé direito terá de descalçá-lo antes do esquerdo.
“Esses TOCs não tem origem definida; mas provavelmente são frutos de alguma experiência que traumatizou e traz angústia ao ser humano”, conta Marina Fernandes, estudante de psicologia. “Muitas vezes as pessoas sequer se lembram dessa tal experiência, mas ela fica gravada no subconsciente”.
O mais impressionante é que todos têm hábitos que não possuem muito nexo. Muitos conhecem essas manias, consideram-nas ridículas, mas não conseguem controlar tal comportamento compulsivo.
O simples ato de mexer no volume da televisão ou do rádio do carro abriga uma mania quase unânime entre as pessoas. Começa-se a aumentar o volume da TV até o momento em que o som se tornar agradável, e nesse momento checa-se o número que o aparelho exibe. Se o volume estiver marcando 19, torna-se quase irresistível arredondá-lo para 20. Pois é, a vontade de ordem visual supera a satisfação que o volume traz.
E há ainda outros exemplos mais comuns. Quem nunca comeu aquele chocolate chamado Tortuguita? Aquele em cuja propaganda uma tartaruguinha sempre tinha sua cabeça comida. Seja por influência do comercial ou não, é difícil encontrar alguém que comesse o chocolate todo de uma vez. Há algo que praticamente força as pessoas a comerem primeiro a cabeça, patas e rabinho para depois deliciar o casco recheado.
Cada um pode ter um motivo para fazer isso, mas é óbvio que tudo tem origem em alguma (micro)angústia. “Seja você Hitler ou qualquer outra pessoa; ninguém é livre de uma experiência que tenha gerado frustração e pelo menos alguma mínima obsessão”, resume Marina.

O setor de diversões tem vagas sobrando

O que poucos sabem sobre como descobrir e utilizar um palco para realizar suas apresentações e tentar subir na vida


Foram três anos de vazio, aguardando ansiosamente pela sensação de estar num camarim novamente, olhando para aquele espelho rodeado de lâmpadas. A vontade e a saudade eram enormes, mas como voltar a atuar? “Meu, nem posso acreditar, o teatro é nosso”. O desabafo é de Rodrigo Araújo, estudante que ao lado de quatro amigos aprecia o palco que agora tem para usufruir. O momento chegou e a distância pouco importa agora. Alguns deles pegaram três ônibus, numa viagem de quase uma hora e meia até o CEU Vila Rubi, na região do Grajaú.
Todos estavam felizes pela primeira reunião do Grupo de Teatro Ateliense, formado por velhos amigos que simplesmente sentiam saudade dos palcos.
“Já temos apresentação marcada para 23 de maio aqui mesmo no CEU, e podemos usar o teatro para ensaiar todos os domingos”, conta Priscila Soares, líder do grupo amador. Eles estão ocupando apenas algumas poucas das centenas de cadeiras do teatro, ouvindo as novidades contadas pela diretora.
Poucos sabem das inúmeras opções de cultura que os CEUs (Centro de Educação Unificado) deixam à disposição da população. “Decidimos entrar em contato com a escola, e depois de apenas algumas conversas e propostas, a direção liberou um espaço para nós. A verdade é que não tínhamos dinheiro, mas queríamos um lugar para ensaiar”, conta Priscila.
O terceiro andar do CEU Vila Rubi abriga cinco ateliês, dos quais quatro ficam vazios e desperdiçados nas tardes de domingo. O Grupo Ateliense, cujo nome é um trocadilho entre “ateniense” e “ateliê”, ocupa apenas uma dessas salas.
“Será que há dez anos o Brasil ofereceria tanto espaço para uns loucos que só queriam fazer arte?”, questiona Rodrigo. “Uma coisa é fato: vivemos num país diferente daquele em que nascemos”.
“Quando fazíamos teatro estudantil, apresentamos em diversos lugares, e não podemos deixar de destacar que os CEUs têm os melhores equipamentos que já usamos”, explica Priscila sobre o patrimônio público.
Os atores ainda podem contar com a ajuda da instituição para imprimir textos e cópias utilizados para ensaios. “O objetivo, claro, não é ganhar dinheiro com tudo isso. Só queremos apresentar por diversão sem cobrar nada, no máximo um quilo de alimento não perecível para doarmos para alguma instituição”, expõe Rodrigo.
“Está tudo aqui à disposição da população, de graça. Agora falta apenas despertar o interesse pela arte nos brasileiros”, finaliza o ator, girando os braços para todos os lados do teatro.

Uma lente entre o coração e os fatos

Os relatos de quem captou o que resta do Haiti

“Saí de lá sem acreditar que aquilo pudesse se recuperar”, embora relute em dizer isso, é a única conclusão que Caio Guatelli – repórter fotográfico da Folha – tem a respeito da capital Porto Príncipe após o terremoto que pôs o Haiti abaixo.
As poucas informações que o mundo possuía eram muito desencontradas, apenas imagens de celular.
Chegar ao país já não foi tarefa ordinária. Só havia voos para a República Dominicana, país vizinho. De lá, cada equipe jornalística tinha de tomar seu próprio caminho. “Recebemos a informação de que um helicóptero nos esperava, mas ao voltar ao aeroporto uma equipe de TV americana já tinha pago um preço maior pelo transporte”, revela Caio. Por fim, conseguiram lugares num avião sem licença para voar, o que não fazia diferença, já que o aeroporto de Porto Príncipe não tinha mais controle algum. “Chegamos e em menos de cinco minutos o avião já tinha ido embora”.
“A gente tinha reserva num hotel, mas descobrimos que metade dele tinha desabado”. Por sorte, encontraram o Ministro da Defesa. Entraram escondidos no ônibus da ONU que levaria Nelson Jobim à base do Exército Brasileiro. “A base era um oásis no Haiti, uma vantagem que tivemos sobre as equipes de reportagem dos outros países”, explica o fotógrafo.
Lá, Caio diz ter vivido dilemas como jornalista. “Eu me vi ali no meio de tudo, bem vestido, alimentado e segurando um equipamento caríssimo. Eu tinha tudo, e as chances que os haitianos tinham de um dia obter tudo isso era mínima. Senti que poderia causar uma sensação ruim neles, como a de exploração da desgraça.”
Caio viu um homem ser morto em sua frente. Mas o mais chocante foi ver os assassinos tirando apenas algumas notas de seu bolso. Em seu terceiro dia lá, viu um grupo de 20 haitianos resgatando familiares. Sentiu-se ameaçado quando eles começaram a gritar com ele. “Me diziam: ‘por que você está fotografando nossa tristeza? Por que está fotografando nossos parentes mortos? O que você vai ganhar com isso?’”, relata Caio Guatelli. “Respondi que precisava mostrar para o mundo a situação. Eles entenderam, mas pediram pra que eu não continuasse ali”.



“A ajuda que a gente pode dar é mostrar para o mundo o que acontece, mas em alguns momentos agi de forma diferente. Vi uma menininha com a perna esmagada, pedindo minha ajuda. Nessa hora resolvi abandonar minha câmera e deixei de trabalhar por umas quatro horas pra tentar ajudar”, conta o repórter.
Mas as esperanças de quem esteve lá, ou ao menos de quem viu fotos que revelam o estado do Haiti, são praticamente nulas. De fato, uma destruição tão imensa e “democrática”, que afetou até o palácio do governo, não dá chances de reconstrução. “Das coisas que vi acho que a única solução seria uma união internacional para espalhar os habitantes do Haiti pelo mundo. Aquilo não tem solução, já era um país perdido”, afirma Caio Guatelli, a respeito de uma nação que em breve voltará a ser esquecida.

Ali no Capão Redondo morria mais gente do que no Vietnã

Como dizia Mano Brown, dos Racionais MC’s, o Capão Redondo já foi uma das regiões do mundo onde havia mais assassinatos. E como o próprio rap apontava, as raízes de tanta violência vinham da crise na educação. Só que não foi o governo quem providenciou as mudanças, mas sim a ONG comandada por “Seu Carneiro”. E a Ong ganhou até reconhecimento mundial.
“Desesperada, há cinco anos a diretora de um colégio veio pedir minha ajuda, dizendo que não sabia o que fazer com alunos armados e drogados”, conta Antônio Carneiro dos Santos, 73, diretor do Projeto Reviver Capão.
A Escola Estadual Professor Francisco Antônio Martins Júnior, localizada no Jd. São Bento Novo (Capão Redondo) estava com sua estrutura física em péssimo estado. “Grades em todas as janelas, chicletes grudados por todo o chão, sujeira. A escola estava um abandono”, afirma Bruna Gavioli, filha de “Seu” Carneiro, e atual responsável pelos eventos culturais do CEU Casablanca.
Contando com o apoio do Projeto Reviver nas Escolas, a então diretora do Martins Júnior conseguiu transformar os alunos e a instituição. “Passamos a dar pequenas palestras diárias de dez minutos no colégio. Os alunos precisavam aprender a cuidar de seu próprio patrimônio”, relata “Seu” Carneiro. Ele contou com a ajuda de diversos grafiteiros para restaurar a escola, não só com a pintura, mas com toda a reforma e limpeza. “Depois de algumas semanas de trabalho duro, a escola era outra”, orgulha-se.
A sede do Projeto Reviver oferece mais de 20 cursos profissionalizantes e artísticos, e a inclusão dos alunos do Martins Júnior nessas formações foi imprescindível para a mudança do colégio. Há professores altamente qualificados, como Diane Umbelino, de ballet. Os cursos ministrados por Diane em sua escola profissional localizada em Taboão da Serra custa 230 reais por mês. No Projeto Reviver os jovens da periferia pagam apenas 30.
Além de cursos, que antes dificilmente seriam frequentados por um jovem da periferia, o Reviver trouxe uma biblioteca com mais de 20 mil títulos ao Capão Redondo. “Seu” Carneiro ainda ajudou a criar outras 12 bibliotecas pela Zona Sul e Grande São Paulo.
A própria criação da biblioteca no Capão Redondo traz histórias interessantes, como a de um senhor de vida complicada, sem trabalho nem residência. “Seu” Carneiro exigiu que ele se arrumasse bem e o trouxe para o Reviver, onde teve sua aparência “tratada” por meninas do curso de cabeleireiros. “Quando meu pai viu que esse senhor tinha um interesse enorme por livros, colocou-o para organizar os volumes que o Reviver tinha. Hoje quem entra na biblioteca encontra tudo organizadinho. Esse senhor se tornou um apaixonado por aquele lugar”, diz Bruna.
As ações do Projeto Reviver Capão chegaram a ter reflexos nacionais e internacionais. Um dos diversos talentos impulsionados pelo projeto foi a modelo e atriz Natália Verena – ou só Natália mesmo, como “Seu” Carneiro prefere chamar. Natália hoje trabalha na agência de modelos Sagarana. “Eu ligava a TV e via a Natália todo dia na novela”, conta Carneiro sobre o tempo em que ela fazia parte do clipe de abertura da novela “Duas Caras”, da Rede Globo. E tratando-se de proporções internacionais, “Seu” Carneiro e o Projeto Reviver se transformaram em matéria do jornal The New York Times em 2007.
Essa inclusão à arte foi um fator determinante na mudança das estatísticas e cultura do bairro. Trabalhando num CEU, Bruna pode dizer a diferença que experiências com arte fazem na vida de um jovem. “Muitos não sabiam se portar dentro de um teatro, entender uma peça e o quanto aquilo era importante para vida deles”, conta. “É difícil colocar cultura goela abaixo, isso é um treinamento, algo que chamamos de ‘Formação de Público’”.
Uma estatística importante é a taxa de homicídios do bairro. Os oito assassinatos por final de semana se reduziram a três após um ano de existência do Projeto Reviver e seus parceiros, segundo dados da Polícia.
Tanto o pai como a filha acreditam que o problema da violência é resultado da falta de estrutura educacional do país. “As pessoas só precisam de oportunidades”, conclui Bruna Gavioli.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

100 anos de uma nação

Não existe alegria ou tristeza, só existe Corinthians




Independente do que outros torcedores ou pessoas que abominam futebol digam. Hoje é um dia especial, sim.
Não há torcida como essa. Não mesmo. Os corintianos são um fenômeno sociológico ainda não explicado. Nada pode contrariar fatos, ou melhor, quase nada. O advento da ciência fez com que a religião perdesse sua força. Certas verdades e fatos mudaram os conceitos filosóficos da humanidade. Por outro lado, 23 anos de jejum não foram capazes de afetar um clube. Pelo contrário, provar durante mais de duas décadas que o Corinthians não era um time vitorioso só fez com que sua torcida crescesse mais. E isso é único, jamais aconteceu algo semelhante na História. E não me refiro somente a torcidas de futebol. Nenhuma religião ou doutrina política foi capaz de crescer em situações tão adversas.
E falando nisso, que movimento político conseguiu deslocar uma quantidade tão grande de pessoas como a Invasão Corintiana? O último registro de uma movimentação assim foi e êxodo do Egito. Nós não ganhamos o título, mas não importa. É algo que só corintianos entendem.
Aos que pensam que essa paixão por futebol só revela alienação, digo: estão muito enganados. Provamos para o Brasil, em plena ditadura militar, que a democracia funcionava. Liderados por Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon, ensinamos a todos que devemos ganhar ou perder sempre com democracia.
A paixão pelo futebol promove a integração entre a sociedade. Onde mais você vê um pobre e um rico se abraçando sem preconceitos senão na hora do gol? É nesse breve momento que esquecemos que temos cores, religiões ou ideais políticos diferentes. É gol, porra! Essa é a prova de que a humanidade sabe compartilhar felicidades e tristezas junta. É a prova de que sabemos e conseguimos viver em paz! Entendem o que isso significa?!
O futebol e o Corinthians criaram um novo conceito de nação. E é neste 1º de Setembro de 2010 que todos os amantes do futebol devem reconhecer a importância da Nação Corintiana. Tão diferente e inexplicável, somos uma torcida que tem um time. Somos o que somos graças também a todas as outras torcidas.
Já mudei várias vezes minhas idéias em relação ao mundo. Mudei de opinião religiosa, política e tudo mais. Mudo até de nome se precisar. Mas há uma única coisa que posso dizer com toda a certeza: de time não mudo nunca. Corinthians até o fim!