quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Alguma coisa tem mudado da ponte pra cá

A história das mudanças e desenvolvimento de um bairro ao mesmo tempo muito e pouco conhecido

“Quando meu pai se mudou para cá, o Capão Redondo ainda nem tinha esse nome”, conta a senhora Vilma De Lucca Urizzi, de 73 anos, moradora do bairro desde que nasceu. Justamente por ser um bairro famoso internacionalmente por sua pobreza e violência, poucos sabem que seus primeiros habitantes “eram de famílias abastadas. Foram alemães que viviam em Santo Amaro que acharam a região muito bonita e decidiram comprar um terreno enorme”, revela Dona Vilma sobre a venda de 70 alqueires (mais de 1,6km) para adventistas que fundariam lá uma grande instituição de ensino em 1915.
O CAB (Colégio Adventista Brasileiro), mais tarde conhecido como IAE (Instituto Adventista de Ensino) e hoje tido como Unasp (Universidade Adventista de São Paulo) foi um ponto de partida para o crescimento do Capão Redondo. “Proprietários começaram a comprar terras em volta do colégio, onde matriculavam seus filhos”, explica Vilma.
A luz elétrica chegou à região entre 1956 e 57, um pouco antes de asfalto que veio em 58, quando Luiz Antônio de Luca ainda era uma criança de quatro anos. “Lembro que tinha só um ônibus que passava aqui. Era o ‘Jardineira do Guerra’, que ia para Santo Amaro, de onde saiam bondes ou outros ônibus para o centro”, descreve Luiz. “Isso aqui era como o campo. Na época dizíamos inclusive que estávamos indo para a ‘cidade’, não para o ‘centro’, como dizemos hoje.”
E o Capão Redondo tinha razões de sobra para ser considerado como campo. “Aqui onde hoje é o pátio de manobras do metrô era um campo enorme de plantação, com um córrego atrás. Hoje em dia o que resta é o córrego poluído”, detalha Luiz de Luca.
“Já haviam alguns barracos isolados por aqui quando eu era pequeno, mas as grandes ocupações irregulares começaram mesmo lá por meados dos anos 60”, fala o morador a respeito do que então levaria o bairro a uma fama internacional de pobreza.
As décadas seguintes trouxeram índices de homicídios comparáveis aos da Guerra do Vietnã. Mas essa história e pobreza e mortes todos já conhecem, ou pensam que conhecem.
Mas o fato é que de uns anos para cá, a vida de quem mora nesse bairro tem mudado consideravelmente, e não só pela redução nas estatísticas de violência. “Eu me lembro de quando começou a surgir um monte de lojas de móveis e eletrodomésticos lá perto de casa. Fiquei até com medo de que aquilo ali virasse um Largo 13”, conta Fabíola Fabbris, 20, sempre moradora do Capão.
Priscila Miagui, que mora e trabalha no bairro, lembra ainda detalhes interessantes dessas lojas. “Elas foram construídas com uma pilastra na fachada, pra impedir que algum caminhão arrombasse o portão e roubassem a mercadoria.”
“Depois da construção do metrô, a região ficou mais valorizada. Começou a surgir de um dia para o outro um grande comércio em volta da estação Capão Redondo. Agora nós temos até um shopping”, diz Fabíola sobre o Shopping Campo Limpo, inaugurado em 2005.
E esse crescimento trouxe muito mais empregos para o Capão Redondo, o que serve de exemplo de logística para a cidade de São Paulo. “Milhares de moradores, que antes tinham de se locomover até a ‘cidade’ para trabalhar, agora gastam só alguns minutos para chegar ao serviço”, afirma Mariana Luz que trabalha no Capão e mora no Campo Limpo, bairro vizinho.
Mas para ela, embora tenha melhorado bastante, ainda há muito para se aperfeiçoar. “Aqui não tem baladas nem restaurantes”, queixa-se a estudante. “Apesar de termos o Hospital Campo Limpo, que aliás está bem melhor, ainda precisamos de mais médicos e clínicas por aqui”, acrescenta. Mesmo assim, ela toparia viver por lá para o resto da vida. “Se as condições de vida continuarem melhorando, não tenho por que me mudar. Quem vive no centro também tem suas desvantagens, como o caos e o barulho, por exemplo”, esclarece Mariana.
“Esse lugar tem mudado muito”, comenta Dona Vilma. De 1937 pra cá, ela é uma das poucas que sabe tanto sobre o que se passou no Capão Redondo. Imagina também o que ainda virá de bom sem se esquecer do que jamais voltará. “Isso tudo era maravilhoso, lindo. Eu cresci brincando no córrego limpo, pulando nos cipós que tinham na mata daqui. Tinha até animais silvestres, como veados. Nós dormíamos de porta aberta...”



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