Lá está o garoto sentado no ponto, esperando o próximo ônibus. Nas mãos uma caixinha de papelão cheia de balas e saquinhos de amendoim japonês. Quem toma ônibus nas proximidades do Terminal Capelinha ou Shopping Campo Limpo já o conhece de vista pelo menos desde 2007.
Há muito tempo penso em falar com ele. Tomei coragem e fui. Comprei uma balinha pra conquistar sua confiança, mesmo sabendo que assim colaborava com a proliferação do trabalho infantil.
Chama-se Tiago e disse-me que trabalha sempre de tarde e à noite, pois das 7h ao meio-dia fica na escola. É bem provável mesmo, pois está sempre com calça de uniforme escolar municipal. Também contou que tinha 12, quase 13 anos.
“Depois de amanhã [domingo] não trabalho, mas amanhã, sim”, disse com um ar sério, como um adulto já acostumado ao dever.
Quis saber se ele conhecia e conversava com as outras crianças que também trabalham da mesma forma naquela região. Não só conhecia como duas delas são suas irmãs mais novas. A propósito, essas duas podem ser vistas trabalhando até a circulação das últimas linhas, cerca de meia-noite.
Uma semana depois, fazendo baldeação do Terminal Capelinha, vi uma delas entrando num ônibus com sua caixinha. Dessa vez não tinha dinheiro pra comprar algo, mesmo assim puxei assunto. Disse que conhecia o Tiago e perguntei por ele. Ela toda sorridente respondeu que hoje ele não trabalhou. Será que então eles se revezavam nos dias de trabalho? Não, ela disse que hoje era uma data especial para ele, o que logo me fez concluir que era seu aniversário de 13 anos. Revezam apenas os horários de serviço, pois ela estuda à tarde.
Agora que ela já estava totalmente simpática, com aquele olhar brilhante de criança, mandei os parabéns e, como quem não quer nada, indaguei-lhe onde compra os doces. Segundo ela, sua mãe os compra em Santo Amaro ou no Capão Redondo mesmo. Moram próximo ao ponto final da linha Jd. São Bento, a mesma em que estávamos.
“Meu irmão faz até 90 reais por dia”, contou toda orgulhosa quando perguntei se conseguiam bastante dinheiro com as vendas. Fazendo as contas, é muito dinheiro. Ainda quis saber sobre seus pais, mas apesar de jovem, a menina entenderia o que queria com aquela pergunta e não responderia honestamente. Apenas consegui saber que seus pais não trabalham vendendo doces em ônibus.
Despediu-se com doçura, perguntando meu nome. O dela é Jenifer. E com um tchauzinho desceu do ônibus e atravessou a rua pra esperar o próximo.
Ao contrário do que geralmente se vê sobre esse assunto na TV e jornais, essas crianças trabalham com vontade e alegria. Cumprimentam e batem papo com todos os motoristas e cobradores. Por vários momentos, parecem se divertir, como se tudo fosse uma brincadeira. Parece ser um caso diferente. Mas também não dá para saber se essas crianças têm consciência do que estão passando, e se daqui a alguns anos vão pensar que eram INfelizes e não sabiam.
Mas nem todas as crianças trabalham felizes. Érica Campanha, 20, conta que uma vez presenciou uma cena triste num ônibus que passava próximo ao Shopping Fiesta. Um menino distribuiu seus doces aos passageiros já com uma cara de quem ia recolhê-los sem vender nada. E foi de fato o que aconteceu. Antes de sair, choramingou e se lamentou. Uma moça perguntou ao garoto o porquê daquele desânimo, e o menino cabisbaixo respondeu que ia apanhar da mãe por não trazer nada pra casa. “Era uma tristeza tão profunda, tão forte, que fazia me sentir como ele”, comenta Érica.
Fui conversar com alguns motoristas que vivem diariamente essa questão. Todos são opostos ao trabalho infantil. Segundo eles, todos os motoristas e cobradores acham errado uma criança ter de trabalhar, mesmo estando na escola.
“Se trabalhar não vai se dedicar à escola”, afirma Valmir Silva de Almeida, motorista. Contou que hoje sua filha mais nova tem 16 anos, mas, quando criança, jamais a colocaria pra trabalhar.
Apesar de a maioria ser contra o trabalho infantil, não há nenhum que não abra a porta para as crianças.
Segundo outro motorista, Jone Oliveira, a responsabilidade também deveria ficar com a fiscalização. O comércio dentro dos ônibus, independente se for realizado por crianças ou adultos, é proibido e acarreta multa ao motorista que infringir a lei. Jone já viu o rapa agir contra adultos e apreender suas mercadorias, mas “nunca vi recolherem nada de criança”.
A fim de saber como deveria funcionar a fiscalização, busquei ajuda de Fátima Lopes de Oliveira, assistente social do Fórum de Santo Amaro.
Estão ocorrendo algumas ações da prefeitura, mas nem sempre são totalmente efetivas. O que pode ser feito também é denunciar esses casos ao Conselho Tutelar.
Quando a ação funciona, profissionais visitam a família, e, dependendo da situação, o Smads (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), pode oferecer um auxílio financeiro de cerca de 40 reais por mês desde que a criança esteja na escola e não trabalhe.
Em outros casos, as crianças são levadas à Vara da Infância e encaminhadas a um abrigo. Isso ocorre principalmente quando há agressão por parte dos pais.
“Devido aos maus tratos, algumas dessas crianças fogem de casa e vivem nas ruas, entregues ao crime e às drogas”, explica Fátima. “Fora de casa, também são explorados pelo ‘Pai da Rua’, que os alicia e lhes exige cerca de dois terços do dinheiro obtido. Além, claro, de os encaminhar às drogas”.
Na última semana, Fátima entrevistou uma família que havia sido denunciada há dois anos pela Associação dos Moradores do Jd. Sta. Lúcia. A mãe de cinco crianças foi acusada de forçá-los a trabalhar. A própria mãe nunca trabalhou, vivia sustentada pelos filhos e pelo marido que era pintor.
Desde cedo, pôs seus filhos para trabalhar em faróis. Nenhum deles foi além da 4ª série, e hoje estão todos crescidos. A mais velha foi a única que não trabalhou na infância, pois fora criada pela avó. Porém, os demais sempre trabalharam. Dos cinco filhos, três são mulheres, e todas engravidaram na adolescência. A mais nova, hoje com 15 anos, tem uma filha de dois meses, cujo pai é outro jovem que também trabalha em faróis.
A mais velha, hoje com 22 anos, disse na frente da mãe que jamais colocaria sua filha de 5 para trabalhar.
“Isso é pra se ter uma noção de como uma mãe negligente pode acabar com o futuro dos filhos”, encerra Fátima.
2 comentários:
NOssaaa deu ate vergonha d postar a minha materia agora meww!!! hehehe zueras a parte, ta muito boa a materia ricardo... ta de parabens!!!
abs
Valeu aê Samy!
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